20040504

{almanaque - reedição das melhores histórias}*
ou republicando o passado

provavelmente o meu sangue não será bonito:
não é de qualidade.
ele escorreu ainda assim da caneta
azul como se fosse nobre:
é preciso fingir.
foi então continuei:
será meu sangue sincero e fajuto.
será o meu sangue derramado,
porque é preciso falar.

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[há anos]

Eu sou um homem apaixonado. Estou seriamente desconfiado de que não existe mais gente assim, nesse estado. Nunca mais ouvi ninguém falar nisso, todo mundo desaprova. Acontece que eu não tenho solução e ela é linda demais. Acho que estou deplorável de paixão, há anos.
Essa noite tive um susto: me vi olhando, catatônico, para seus copos e talheres, aqueles que ela tinha usado. Quis as bitucas de cigarro com batom rosa -que ela quase nunca usa, mas deixou marcados no cinzeiro hoje. Só que de nada adianta, não existem olhos pra mim. Não existem mais olhos pra mim.
Vestidos e outras peças de roupa me cercam o dia inteiro. De manhã, de tarde e de noite. Permita-me, menina, esse abuso com sua pessoa. Passo um bom tempo ocupado em livrar meu pensamento e é pior, adoeci de você.
Quando fui dormir, concentrado em uma lembrança de algum dia mais inteiro, com ela, percebo. Percebo que não sou infeliz longe de quem amo, somente um pouco menor... Embora finja que não sei, é sempre melhor quando não me sujeito aos seus caprichos. Porque não preciso me humilhar.
Por um minuto, penso em como seria vê-la sem tanta agonia e fico aliviado. É uma escolha minha, depende de mim, e me culpo, torturado.
Às quatro da manhã estou puto da vida. Pelo amor de Deus, vá embora, passe sem me deixar tonto, não entre no meu sonho, não cheire tão bem, não tenha olhos tão bonitos, cumpra as regras que lhe imponho.
Em outro instante, desejo que ela esteja sempre perto ou não tão longe, pra eu não ficar completamente sozinho, que é meu medo. Viro pro lado e durmo.

*não sei a quem pode interessar, mas está aí feito almanacão de férias. enquanto não volta a estranha mania de pôr as idéias em palavras, aí vão coisas do passado. tá bom, a mania nunca passa... mas deixa eu quieta um pouco.

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