20040527

{poema financeiro}

eu só sei investir no amor.
só sei disso.
e o tempo passa, vamos ficando velhos:
o amor não trouxe casa.
você, por exemplo, pôde sair
a qualquer momento.
o que me restou então?
eu não tenho mais casa,
meus pais se foram.
eu não tenho mais mundo,
passei os dias inteiros no escritório,
pagar as contas.
as contas não me trouxeram bens,
paguei a luz, comi,
às vezes em dia, às vezes não.
gastei o que tinha me vestindo melhor,
não podia ir trabalhar em farrapos.
acabou o dinheiro, acabou o amor,
acabaram-se também as rixas
(eu tinha que ter pelo menos um lucro).
sobrou esse quartinho,
essa luminária, alguns livros.
não sobrou você, que pena.
já houve um dia em que eu me dei por satisfeito.
você, o fogão e a geladeira.
agora já estou velho,
não sobrou nada: da minha casa antiga,
dos pés de manga, do ginásio.
sobrei somente.
sem filhos, sem emprego, sem mulher.
sem sexo, sem fortuna, sem consolo.
não há nada pra me acalmar.
mas não tem problema.
agora, nada mais importa.
a bolsa quebrou, as apostas caíram.
não há mais cavalos, não há mais papéis.
sobrei somente.
somente eu e as coisas humilhantes que vendo pela rua.
somente eu e os mendigos, os passantes,
eternamente diferentes uns dos outros.
fiquei eu com o clima, as fases da lua.
fiquei eu com o dia e a minha bengala.

[obrigada a felipe pelo 'agora nada mais importa', que me assusta pelo seu tamanho.
obrigada aos possíveis leitores que entenderem a humildade do 'poema'.]

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