20030327

eu volto já.

20030316

essa face feiosa em frente ao espelho
às duas da manhã sou eu.
esse dente fora do lugar,
essa estria.

sou uma criatura absolutamente medíocre.
uma menina que não tem nada de especial nem apaixonante.
(se é que é possível alguém ser assim.)

eu gosto de você, como eu gosto. mas às vezes eu saio de noite e vejo todo mundo com sua respectiva ocupação. eu não tenho nenhuma. se nem seu estado de graça consegue preencher minha noite vazia, imagino a sensação de liberdade maior possível quando o dia amanhece sozinho, sem precisar de nada.
às vezes, num lugar de noite, sinto que ninguém gosta de mim nessa birosca de mundo.
[preciso ficar sozinha com o céu mais vezes]

20030313

[exposição da figura.]
esta sou eu, a da direita. logo após, bruno-amigo-porto-alegre-de-cecília no centro, e cecília com o copo na mão. a bunda com cueca é do meu amigo júino. mi cumpleaños {garagem bar, 06-03-2003}.

20030309

colocando coisas de outras pessoas mais uma vez - um texto lindo, na minha opinião. está aí por fazer parte de um dos livros que mais gosto, pelo óbvio (é quase carnaval ainda) e por ser tão meu, agora mais ainda...

[restos do carnaval]

Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça - eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável - e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.
Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com os quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga - talvez atendendo a meu mudo apelo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel - resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas - à idéia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha - mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quando ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge - minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa - mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil - fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.
Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido, sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos já lisos de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.

[clarice lispector in felicidade clandestina - once again]

20030308

isso doeu. no meio da multidão, uma mulher fumando machucou meu cotovelo. a brasa ficou coladinha no meu braço durante tempo suficiente pra provocar uma queimadura. estava naquele momento repleta de mágoas mal resolvidas e nem um pouco disposta a sacrificar meu dia por elas. decidi sair do meio da confusão justamente para não me sentir mais tão desconfortável, quis me
livrar das cotoveladas e empurrões o quanto antes.
hoje em dia estou irreconhecível, visualmente pouco sobra de anos atrás. mantenho os cabelos curtos e uso alguma maquiagem preta nos olhos, me agrada. imagino às vezes o quanto nessa aparência há um quê de mulher moderna. devem imaginar que sou de plástico também, material moderno. mas meu humor instável não me deixa mentir, existe víscera.
a referência ao passado se justifica no acontecimento seguinte: o encontro. rendezvous. a expressão francesa para 'encontro' sempre me faz lembrar 'renda-se', em português. renda-se você. eu não me rendi, em momento algum. sinto que nesse momento devo calar as palavras explícitas, elas me colocariam em situação difícil.
dois anos atrás não tinha mais nada a dizer além de "você sabe que está certo", era mais simples. se você pensava que eu ia fraquejar, que ia pedir pra voltar, não falei nada além de "animal". agora mais ainda, que vi você ali na rua e tremi, não havia palavras. tudo isso é normal e passou. eu senti indo embora uns pedaços através de um choro discreto, lógico, não gosto de esparro. as pessoas no caminho olhavam pra mim, andando determinada e bonita. sim, é isso mesmo, ele achou, tenho certeza.
você nunca termina, mas agora chegou a vez de outras pessoas. você definitivamente entra para a história e fica lá, longe de mim, por favor. é melhor viver solta, sem ninguém pra me prender. você sabe que está tudo certo. e pronto.

mãe, você tem vergonha de filhos que cantam alto enquanto executam tarefas domésticas? ela disse que não, ótimo.

20030304

Eu escrevo coisas para que ninguém precise me ouvir. E não tenho limite, cansei de ter medo até do papel. As letras agora são minhas, de noite principalmente, quando estamos só eu e elas.
Eu agora resolvi fazer dos verbos parte de mim, e não apenas usá-los como antigamente. Cansei de ter na boca o medo das palavras. São comigo e junto todo o tempo, quase tão rápido quanto o pensamento, entre mim e o mundo, eu sou uma língua.